quarta-feira, maio 31, 2006

Brincar ao quarto escuro

"Fechar criança num quarto escuro poderá ser punido por lei". E se for num quarto cheio de luz, já pode ser? Todos os dias temos pérolas destas, é o que vale. A revisão do Código Penal prevê a cobertura de todas as situações de violência física e psíquica, incluindo situações como encerrar uma criança num quarto escuro. Não é brincadeira. Andamos à procura de formas de educação que só passam por satisfazer caprichos e consentir com indícios de desvios de formação? E a pedagogia de dizer "não", também é encarada como "violência psicológica"? É óbvio que todas as pessoas de bom senso querem que os abusos e maus tratos sobre as crianças - e sobre pessoas de todas as idades já agora, desde os doentes mentais aos idosos, mulheres, sem-abrigo - acabem e que, quem pratica tais actos, seja punido.
Mas, e o dever e também o direito ao arrependimento depois de um acto de descontrolo, de uma reacção não premeditada que tenha resultado, infelizmente, numa situação de violência? Penas de um a cinco anos se a prática for exercida sobre cônjuges, menores e pessoas indefesas, dois anos se acontecer em frente a menores. Três a dez anos se houver ofensa grave à integridade física. Aqui a linha é mais ténue, como se percebe.
A violência não vem só das classes baixas e, se quisermos, a violência psicológica não se assiste apenas nas classes altas. Há matizes que não são só sociais, são culturais, são de formação independentemente do status. Há muita gente da alta que é capaz de deixar de rastos uma filha, um filho, uma mulher de tanta pancada, como há muita gente a viver das ajudas do Estado com comportamentos requintados de violência psicológica.
A questão que vale a pena reflectir com esta revisão do Codigo é se a ausência de um pai ou de uma mãe, por vários anos, não se torna numa violência maior para uma criança em crescimento. Se fechar um pai/mãe numa prisão não lhe tira a possibilidade de viver, em consciência, o seu acto.

segunda-feira, maio 29, 2006

Estórias que vendem

"O catolicismo (e o cristianismo, claro) é, lugar-comum, uma religião histórica, no sentido prosaico em que assenta numa história: sucedeu isto e aquilo, Jesus disse isto e aquilo. Qualquer alteração, deturpação ou interpretação heterodoxa dessa história agride ou enfraquece a Igreja, até, ou principalmente, se for fundada e, pior ainda, indiscutível."
Vasco Pulido Valente, PÚBLICO, 28-5-2006

Nenhum livro na actualidade (ou talvez nunca) suscitou uma polémica tão infantil como a que se tem vindo a observar junto dos intelectuais e até, pasme-se, do comum povo mortal. Não li o Código Da Vinci e não o lerei até se acabarem os livros que tenho há tanto tempo em cima da mesa de cabeceira ou que ainda não comprei mas espero vir a ler, porque são referências importantes para o meu desenvolvimento cultural. Vai demorar décadas. Teriam de acabar todos os grandes autores alemães, russos, franceses, ingleses, americanos e sul-americanos, africanos e asiáticos com nome no "hall of fame" da cultura mundial. Que eu saiba Dan Brown ainda não figura nessa lista, apenas se destaca por vender milhões de livros.
Ora o Código Da Vinci não pode ser uma grande obra. Admito que seja uma estória bem contada, com um enredo cativante e daquela intriga que nos faz ficar presos horas a fio até o mistério ser resolvido. Tem todo o mérito, como têm os livros que se levam para a praia, durante o Verão, para entreter enquanto sol faz o seu trabalho sobre as nossas peles tostadas. O Código Da Vinci é um "best seller" antes de o ser. Dan Brown foi pegar numa personagem (que, por acaso funda a maior parte daquilo que deveriam ser os valores da cultura ocidental) para criar um romance, e esta é precisamente a última forma como as pessoas encaram o livro. Como um romance.
Que se saiba a tal estória do código não tem fundamento - histórico - e a única personagem tirada de um contexto real é a de um professor, que por sinal estudou mesmo as obras de Da Vinci e a Gioconda, mas nunca descobriu quaisquer códigos secretos. Pior, nunca foi contactado por Dan Brown para confirmar as teses mirabolantes apresentadas no livro.
Toda esta discussão é absurda e a Igreja só faz mal em reagir negativamente, da mesma forma que os leitores, como Vasco Pulido Valente, caem na falácia de achar que o Código Da Vinci se trata de uma interpretação da vida de Jesus e que daí decorre uma agressão ou um enfraquecimento da fé das pessoas.

quarta-feira, maio 24, 2006

Matar portugueses cotado em Bolsa

Parece que, face ao período homólogo anterior houve uma redução de 50 por cento no assassínio de emigrantes portugueses na África do Sul. "De acordo com o gabinete do secretário de Estado das Comunidades, entre Janeiro e Maio foram assassinados três portugueses em Joanesburgo enquanto no mesmo período do ano passado morreram seis emigrantes", referia hoje notícia da Lusa.
Apesar dos esforços em rentabilizar os assaltos à mão armada, a taxa de eficácia no assassínio de portugueses baixou drasticamente, fenómeno que é explicado pelos empresários do crime por uma oferta cada vez menor de alvos a abater, considerado uma verdadeira "maçada". Os restaurantes e as mercearias sempre foram os locais preferidos para os ataques mas parece que agora terão de virar-se para as lojas de tapetes persas e correctoras de seguros.
O aumento dos preços do petróleo também pode estar por detrás da diminuição do volume de mortos portugueses nos primeiros cinco meses deste ano. A consequência mais provável, de acordo com o relatório, será a redução de custos e de pessoal, prevendo-se que no próximo quadrimestre haja mais 4.800 assassinos sul-africanos desempregados. Na sequência deste anúncio, o ministro do Trabalho e Solidariedade Social, Malembo Kutumba, já alertou que não vai alargar o orçamento do Rendimento Mínimo Garantido. "Temos de estimular o empreendorismo e a iniciativa individual", afirmou taxativo.

quinta-feira, maio 18, 2006

Umas atrás das outras...

«Homens e chimpanzés tiveram sexo depois da evolução»

"Os antepassados do Homem e do chimpanzé tiveram relações sexuais durante milhares de anos até à separação definitiva das espécies, o que afinal aconteceu há muito menos tempo do que se pensava, revela hoje a revista científica Nature.

Segundo o trabalho, desenvolvido por uma equipa investigadores norte-americanos conduzida por David Reich, da Universidade de Harvard, as duas linhagens separaram-se há 6,3 milhões de anos no máximo, e provavelmente até há menos de 4 milhões de anos o que não os impediu de proceder à troca de genes.

Tal é perceptível em particular ao nível dos cromossomas X (cromossomas sexuais femininos) que, nos chimpanzés e nos humanos, são mais parecidos do que os restantes cromossomas, precisam os cientistas.

O «divórcio» final e definitivo não terá, afinal, acontecido há muito mais do que quatro milhões de anos, o que significa que após terem começado a separar-se, humanos e chimpanzés ter-se-ão ainda cruzado durante mais de um milhão de anos.

Os resultados obtidos neste estudo, segundo os investigadores, põem em causa o estatuto dos hominídeos considerados como os mais antigos ancestrais do Homem, tais como o Saelanthropus Tchadensis (Toumai), que viveu há cerca de sete milhões de anos, o Orrorin Tugenensis, que viveu há seis milhões de anos, ou ainda o Ardipithecus Ramidus, que terá vivido há perto de 5,5 milhões de anos.

O enigma das origens do chimpnazé continua contudo praticamente todo por desvendar, já que contrariamente aos ancestrais do Homem, dos quais há numerosos fósseis, não foi encontrada até hoje qualquer ossada atribuível aos primeiros chimpanzés, à excepção de alguns velhos dentes.

Além disso, a sequenciação completa do genoma do chimpnazé, publicada no ano passado, confirmou que as duas espécies são geneticamente idênticas em 99%."

Ontem foi a ovulação, hoje é a evolução. Durante anos a fio vieram com a conversa de que o homem mordeu o cão. Como se já não bastasse para arrasar a nossa auto-estima, apresentam um estudo que diz que homens e chimpanzés tiveram sexo depois da evolução, durante milhares de anos. Resta saber a evolução de qual das espécies...

Caramba, durante milhares de anos? Estão a dizer-me que eu sou resultado de uma hipotética relação zoófila entre o meu tetra-avô e uma macaca? Eu sei que é difícil encontrar uma química porreira com uma parceira de jeito, mais ou menos engraçada. Lá se vai a teoria da Criação, de uma Eva à imagem daquela pintada por Botticelli. Só de pensar que tudo deve ter começado com a atracção entre um hominídeo e um macaco chamado Tony Ramos, numa relação que durou mais de um milhão de anos, leva-me a ter outra percepção daquilo que hoje entendemos ser uma mulher bonita. Reparem, andámos um milhão de anos a ter sexo com chimpanzés e no ano 2006 nem sequer conseguimos olhar para a amiga gorda daquela que achamos tão gira, e muito menos chegar a vias de facto. Reflictamos sobre isto.

quarta-feira, maio 17, 2006

Saliva fértil

"Aparelho que identifica período fértil chega hoje a Portugal"

A partir desta quarta-feira está à venda nas farmácias um aparelho que permite às mulheres verificar se estão no período fértil. Através do Fetilfacil, as mulheres podem saber qual o melhor período para engravidar.

O Fetilfacil é um sistema microscópico que utiliza a saliva para determinar em que fase se encontra a ovulação. «Basta a pessoa recolher uma gota de saliva, colocá-la no vidro do aparelho e deixar secar durante 15 minutos», explicou a directora de marketing do dispositivo.

«Se aparecerem uns pontinhos e umas bolinhas, a mulher não está em período fértil. Se surgirem poucas folhinhas de palmeiras, está numa fase pouco fértil. Se as folhas das palmeiras forem em número mais elevado, está num período fértil», acrescentou Sara Santos.

Sara Santos disse ainda que o aparelho se assemelha muito a um baton e pode ser transportado de forma discreta na mala. Sem contra-indicações, o Fetilfacil está disponível nas farmácias quatro horas após o pedido e tem um preço recomendado de 69 euros.

Além de indicar o período fértil, o que permite saber qual é a altura ideal para engravidar, Madalena Santos, especialista em Medicina de Reprodução, alerta para o facto do aparelho permitir às mulheres inférteis perceber que algo está errado.

«As mulheres que não conseguem engravidar costumam esperar um ano para consultar um médico. Com este dispositivo, podem aperceber-se de que algo se passa e consultar um especialista mais cedo», concluiu Madalena Santos.


Tudo nesta notícia, divulgada pelo Diário Digital, é caricato. Primeiro, quaisquer sistemas que usem saliva para determinar fases disto ou daquilo soa a abuso. Qualquer dia abordamo-nos assim: "oh filha, posso lamber-te a testa para saber se estás com dor de cabeça?" ou "olhe, desculpe, olhei para si e achei-a tão interessante. Posso dar-lhe um valente beijo para saber se é recíproco?"

Neste caso ainda se torna mais engraçado. Além de secar o cabelo. pôr alguma maquilhagem e escolher a roupa para sair, as mulheres ainda vão fazer os maridos/namorados (ou desconhecidos, quem sabe) esperar mais 15 minutos para saberem se estão no período fértil. Não sou entendido nestas matérias, e até tenho pena, mas fazendo as contas uma mulher não sabe à partida se está ou não no período fértil?

Para identificar que a mulher não está em fase de ovulação o aparelho mostra "pontinhos e bolinhas". Se surgirem "poucas folhinhas de palmeiras", está numa fase pouco fértil. Se as folhas das palmeiras forem "em número elevado", enganou-se e foi parar ao Brasil.

Nem sequer vou fazer comentários em relação ao facto de ser um aparelho que funciona com saliva, com forma de baton e ter "um preço recomendado de 69 euros"... Porque não 70 euros, que raio?!

quinta-feira, maio 04, 2006

Abaixo o poder da Igreja

A Igreja só pode existir se não tiver poder. Melhor, a Igreja que assim se chama como actualização do Evangelho de Jesus, só faz sentido se for desprovida de qualquer poder, se não puder colocar crucifixos nas escolas, se não beneficiar de Concordatas com o Estado, se não for uma autoridade moral.

Pode parecer chocante este discurso, mas não é. Quem foi Jesus de Nazaré, o Cristo de Deus, senão aquele que apresentou um projecto contra todo o poder, contra todos os "pactos de regime" que os poderes estabelecem entre si para oprimir mulheres e homens de todos os tempos? Jesus foi, precisamente, o modelo de humanidade e entrega que chamou a atenção de todos em relação à cegueira de nos deixarmos reger por leis escritas pelos que detêm a chave da cidade, a chave dos templos e dos cofres. Dando a vida.

A Aliança que Jesus estabeleceu foi com as mulheres e homens frágeis e indefesos, com os pobres e os excluídos. Não foi com os líderes religiosos e príncipes dos sacerdotes, nem com o rei Herodes, nem mesmo com o governador romano de turno Pôncio Pilatos. E essa é uma realidade que existia então como existe hoje, passados dois mil anos.

Por isso, em vez de nós - Igreja - nos preocuparmos com os caminhos que as sociedades decidem tomar para viverem melhor e mais livres, devemos preocupar-nos em sermos testemunho para os pobres, os que não têm voz, os ignorados e desprezados, os abusados e violados na sua dignidade. Tirem-nos - a nós, Igreja - todos os privilégios e saberemos executar melhor a nossa missão.