quarta-feira, maio 09, 2012

Regresso ao futuro... e de volta

Frutos da pobre noção de temporalidade histórica nacional, passado, presente e futuro, os responsáveis políticos, gente da alta finança, comentadores de turno e fazedores de opinião têm por hábito apresentar, dos microfones para a Nação, a nossa "situação de carácter extraordinário", a "conjuntura estrutural", a "austeridade" e a "crise", em suma, como algo de inédito, um fenómeno inesperado que tem origem no desmando de governos anteriores (leia-se PS ou PSD, dependendo do clube que está ao leme),e que os "mercados" nossos credores penalizam.

Recuando 120 anos, não mais, a disputa partidocrática entre Progressistas (de pendor esquerdista-republicano) e Regenerador (social-democracia) oferecia-nos isto:
«Na particular conjuntura do período inicial do seu reinado (1889), para além da crise política e moral motivada pelo Ultimatum, outro factor de excepção com o qual D. Carlos teve de se confrontar foi o agravar da situação económica do País e a consequente deflagração de uma séria crise financeira. O princípio da década de noventa do século XIX correspondeu a uma vaga de depressão económica que atingiu praticamente todos os países da Europa. Em Portugal o período de crise ocupou quase toda a década, entre 1891 e 1898, e teve o seu pico de agravamento nos anos de 1891 e 1892. O primeiro sinal da crise veio logo em 1890 quando o governo português, ao tentar obter um empréstimo em Paris teve, por exigência dos emprestadores, de consignar uma parte dos rendimentos do monopólio estatal do comércio dos tabacos ao pagamento dos respectivos juros.

«Durante o longo período que sucedeu à Regeneração, após 1851, o País foi criando hábitos de crédito consecutivos de modo a poder pagar os grandes investimentos em transportes e obras públicas que se fizeram nessa época. Mas a partir de certa altura, os empréstimos já se contraíam para pagar os juros de outros empréstimos e Portugal passou a governar-se através da chamada dívida flutuante, gerindo-se sempre acima do possível, num equilíbrio muito periclitante. Em 1891 a dívida externa e a dívida pública no seu total correspondiam, respectivamente, a 20% e a 40% das despesas do Orçamento de Estado [em 2010, antes da 'troika' já eram 36,7% e 63,3%].
«(...) Em termos práticos, o novo governo teve sérias dificuldades em arranjar aplicabilidade à sua doutrina de simultâneo resgate moral e económico do País. Suspenderam-se os aumentos dos vencimentos dos funcionários públicos, diminuiu-se drasticamente a orçamentação das obras públicas, aumentaram-se os impostos directos e indirectos.

«(...) O descrédito e a desconfiança foram os efeitos da radicalização do esforço de equilíbrio das finanças públicas. Todo este processo exigiu grandes sacrifícios aos Portugueses e resultou numa inflexão negativa da imagem internacional de Portugal. A opinião pública, naturalmente, ressentiu-se da situação e, como já seria de esperar, direccionou parte significativa do seu rancor para o rei. A Coroa era responsabilizada por toda a miséria do País e pelo lapso de modernidade que separava Portugal dos restantes países da Europa."

in "D. Carlos de corpo inteiro", Editora Objectiva, 2009

terça-feira, abril 03, 2012

A Páscoa dos nossos tempos



Entrámos na Semana Santa e percebemos, neste momento tão importante da vida cristã - mais até do que o Natal, transformado em época alta para oportunidades comerciais - o quão arredados andamos do Reino de Deus que Jesus Cristo anunciou. Falar de Jesus, hoje e nesta sociedade, é escandaloso, é fanático, está fora "deste tempo" e da modernidade. Na verdade, dificilmente como nos tempos dos nossos contemporâneos faria tanto sentido olhar para o testemunho de Cristo, na Sua compaixão pela humanidade, como agora, pois também a mensagem por Ele transmitida há mais de dois milénios era escandalosa, radical e fora daquele tempo e daquele mundo.

Portugal, enquanto País e Povo que foi outrora globalizador e (cometendo maiores ou menores erros, segundo os critérios politico-ideológicos actuais) evangelizador, levando a civilização e fé cristã para outras culturas e outros continentes que ainda hoje e voluntariamente as adoptam, está transformado num lugar pantanoso cujas lideranças esbracejam para manter a cabeça à tona na sua "ética republicana e laica". As ideias de "crise" e "austeridade", impostas como fatalismos aos quais não é possível escapar, fazem o seu caminho exactamente ao arrepio do que é a esperança invocada pela fé cristã. Negoceiam-se feriados "civis" por feriados "religiosos" e vice-versa como se fossem moedas de troca inventadas por calões e preguiçosos, para apresentar em folha de serviço de um memorando sem memória ou qualquer peso identitário, aos nossos senhores e soberanos da Europa.

Mas não se julgue que o problema é apenas político. É social, cultural, familiar e geracional, é empresarial, está nas relações de trabalho. O Deus dos cristãos e os negócios não se misturam. Estaremos, no entanto, a mentir se dissermos que não há um sentido religioso, ainda que pagão, nestes meandros da nova sociedade em que voluntariamente nos tornámos, a partir de determinada altura em que nos deixámos encantar pelos chamados "ventos da História", de um socialismo libertário e progressista. Aborto, casamento homossexual, eutanásia, divórcio online, mudança de sexo e de nome. Causas fracturantes para, como fracturas que são, causarem dor e virem mais tarde a pedir uma cura.

Libertemo-nos daquele Deus limitador da Bíblia e adoremos estes deuses representados no sucesso individual, nos gestores de topo, nas carreiras. Cobiçam-se os prémios milionários, os dividendos, a posição dos accionistas, a bolsa e os mercados como entidades etéreas, omnipotentes e omnipresentes. Celebrem-se, não os feriados que marcam algum ponto histórico relevante ou celebração que coloque um povo em comunhão, mas as datas das assembleias de accionistas, para anunciar as "mais-valias" e os dividendos, as emissões de "dívida soberana". Lucros recorde da EDP, Galp, PT, OPAs sobre a Brisa, spreads bancários, capital chinês, dinheiro benzido pelos Dos Santos angolanos, enquanto Roma arde, enquanto as pessoas ficam um pouco mais pobres, um tanto mais oprimidas. Serão estes líderes, directores, administradores católicos, cristãos? Haverá aqui algum lugar para o Reino de Deus, anunciado na Páscoa?

Sim, mais do que nunca. Só que, neste tempo de redenção que é a Páscoa, de remissão dos pecados, enquanto o Poder vertido nas pessoas que o exercem a todos os níveis da sociedade, não compreender que deve ser acima de tudo Serviço, em que Deus terá necessariamente de estar presente nos gestos e nas decisões para o Bem e a Verdade, seremos conduzidos para a destruição e para a extinção como Povo e Pátria-Nação livre e indepedente.